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Brilhante como nunca: a Alemanha na Euro de 1972

Gerd Müller em ação na Euro de 1972. Foto: Uefa.com
A Alemanha acumulou algumas razões ao longo da história para ser associada a um estilo de jogo pautado na força física, inclusive em momentos de glória. Em 1954, por exemplo, a chuva e o campo pesado foram aliados para frear a Hungria de Puskas na épica final da Copa do Mundo em Berna. Claro que a percepção atual sobre o futebol alemão está muito diferente, mas ainda no passado encontramos exemplos de seleções de lá que escreveram histórias vitoriosas com versos de poesia.

O título mais relevante nos anos 70 veio em 1974, jogando uma Copa do Mundo em casa e derrubando a poderosa Holanda na final. Mas o ápice da equipe aconteceu dois anos antes, como o próprio técnico Helmut Schön reconhece. "O time de 1972 foi o melhor que eu já tive", disse ao site da Uefa o homem responsável por treinar a seleção durante 14 anos. Em 1972, a Alemanha venceu sua primeira Euro, que também foi o seu primeiro grande título depois do Milagre de Berna. Além do troféu, ficou a marca de um time envolvente, que encontrava soluções criativas para superar as armadilhas das defesas adversárias e é reconhecido por muitos como o de futebol mais bonito entre todas as seleções do país na história.

Trocas de passes rápidos com a bola no chão, combinadas com arrancadas individuais recheadas de dribles. Tudo para fazer a bola percorrer o gramado em velocidade e chegar até a grande área de forma eficiente. Não faltava talento pra tornar isso realidade: Franz Beckenbauer, Paul Breitner, Günter Netzer, Jupp Heynckes...todos buscando municiar o bombardeiro Gerd Müller - e todos representantes de Bayern de Munique ou Borussia Mönchengladbach, de longe as duas maiores forças do país na década.

As quartas de final da Euro de 1972 levaram esse grupo até Wembley para enfrentar a Inglaterra numa atuação que não foi nem de perto a mais brilhante e dominante do torneio, mas provavelmente é a mais forte na memória alemã. O contexto trazia um peso enorme para o campo. Seis anos antes, no mesmo palco, os dois países entraram em campo e os donos da casa saíram como campeões do mundo. O troco veio nas quartas de final da Copa seguinte, em um duelo com virada dramática e novamente decidido na prorrogação. Jogar contra contra os criadores do esporte na casa deles ainda era nos anos 70 um dos grandes e místicos desafios que o futebol poderia proporcionar.

A Alemanha saiu na frente, sofreu o empate, mas venceu por 3 a 1. Era o primeiro triunfo na história do país em Wembley, pavimentando o caminho para a fase decisiva da Euro. A reação de jornalistas ao resultado deu o tom de como aquela partida foi valiosa. "Futebol dos sonhos dos anos 2000", celebrou a France Football. "Foi uma das vitórias mais brilhantes da seleção da Alemanha. Nada de Panzers, como líamos na imprensa internacional depois de sucessos alemães, nada de luta ou condições de jogo. O mundo esfregou os olhos e reconheceu nos alemães a possibilidade da arte, a elegância, a fantasia", elogiou ainda nos anos 90 Helmut Böttiger, escritor e autor da biografia de Netzer.

Naquele dia em Wembley, a força do jogo aéreo inglês não apareceu. Os cruzamentos para a área alemã vinham de todos os lugares, e quase sempre eles paravam nas mãos do goleiro Sepp Meier. O heroi de 1966, Geoff Hurst não fez nada contra Horst-Dieter Höttges, que o seguia passo a passo pelo campo - e isso não é só força de expressão, pois Alemanha marcava de forma individual. Logo, onde Hurst ia, Höttges acompanhava, seja na direita ou na esquerda.

Com os olhos de 2020, chega a ser confuso ver um time marcando de forma tão individual. Paul Breitner era lateral-esquerdo, mas várias vezes aparecia do outro lado do campo para cumprir sua responsabilidade de ser a sombra de um atacante. E não importa se estava na esquerda ou na direita, o jogador do Bayern de Munique não abria mão de ser ofensivo e chegar perto da área do oponente. Atacar e defender dos dois lados do campo devia exigir um fôlego enorme. E Breitner, então aos 20 anos, com certeza tinha.

Helmut Schön escalava sua seleção com quatro defensores para enfrentar três atacantes. O justo privilégio de não precisar seguir um adversário ficava com Franz Beckenbauer, que sabia muito bem como usar sua liberdade em campo. Ele conduzia a bola ao ataque com o estilo de um meia e era capaz de quebrar a defesa que estava do outro lado com passes, dribles ou ambos na mesma jogada, a exemplo do lindo gol que abriu o placar contra a União Soviética na decisão da Euro.

Helmut Schön, treinador da seleção alemã entre 1964 e 1978. Foto: DFB.com
Apenas as semifinais e a final do campeonato eram disputadas em sede única naquela época. Em 1972, a Bélgica recebeu os confrontos e logo foi derrotada pela seleção da alemã, que quatro dias depois fez um dos grandes jogos da sua história no estádio de Heysel contra a União Soviética. O talento individual combinado com o ótimo jogo coletivo, com trocas de passes certeiras no ataque, fez a Alemanha sobrar quando tinha a bola. Sem ela, a marcação firme fez Sepp Maier passar a tarde quase sem trabalhar. Em Wembley, foi preciso derrubar um retrospecto negativo e um fantasma quase imbatível em casa. Em Bruxelas, nem parecia que existia um adversário.

Grande parte do brilho no ataque surgia de Günter Netzer. Contra a Inglaterra, ele foi claramente o homem com mais técnica e habilidade em campo, dando chapéu e distribuindo passes longos de trivela. "Netzer balançava a batuta e todos dançavam a sua melodia", relata o jornalista Ludger Schulze no seu livro 'Die Mannschaft'. Na decisão, o meia mostrou que era o dono do jogo da Alemanha, buscando a bola atrás com Beckenbauer e levando até lá na frente para Müller. O jogador do Mönchengladbach - e que um ano mais tarde se transferiu para o Real Madrid - foi novamente o regente das jogadas de perigo e o 1 a 0 quase aconteceu em um belo voleio que saiu dos pés dele.

"O mundo inteiro deve invejar a Alemanha por esse time", definiu o então presidente da Uefa, Gustav Wiederkehr, após um 3 a 0 que refletiu o domínio alemão na final. E nem dá pra dizer que esse abismo era inesperado. Os três gols de vantagem e a fácil vitória eram um filme repetido. Menos de um mês antes do duelo em Bruxelas, os dois países se enfrentaram em um amistoso na abertura do Estádio Olímpico de Munique que terminou em 4 a 1 com quatro gols de Müller. Na decisão da Euro, o Bombardeiro marcou mais dois, terminando o campeonato com 11 em 10 partidas disputadas. Imparável até mesmo para seus companheiros de equipe. "A arrancada dele era inacreditável. Quando eu jogava contra ele nos treinos não tinha chances", lembra Beckenbauer ao site da Uefa.

Bastou o juiz dar o apito final para uma multidão de torcedores da Alemanha invadir o gramado de Heysel e celebrar uma das maiores atuações da história da sua seleção. "Eles queriam só festejar. Hoje em dia tiram um pedaço da grama ou cortam a rede, mas antigamente não pensavam nisso", lembrou o goleiro Sepp Maier em entrevista ao Welt. Títulos de Copa do Mundo são maiores e chamam mais atenção. Mas ao lembrar da conquista 1974, é importante também voltar mais dois anos no tempo. O time que ganhou o mundial em casa cresceu e teve o seu ápice ao vencer a Euro de 1972.

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