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Como a Alemanha chegou à final da Copa de 2002


Não era pra Alemanha vencer a Copa do Mundo em 2002. Um país tão acostumado a chegar bem em finais de grandes competições viajou até a Ásia sem passar muita confiança porque ainda estavam frescas na memória a eliminação na fase de grupos da Euro 2000 e a goleada por 5 a 1 sofrida em 2001 contra a Inglaterra em Munique pelas elmiminatórias para o mundial, resultado que empurrou a seleção à repescagem. Mesmo assim, só um jogo separou aquele time do troféu, e a chance de título escapou junto com o chute de Rivaldo que Oliver Kahn não conseguiu segurar. Erro justamente dele, o maior responsável pela boa campanha.

Boa campanha não deve ser confundida com boas atuações. A equipe treinada por Rudi Völler chegou invicta à decisão, mas não sem sofrer muito - e até mais do que deveria - pra alcançar esse feito. Justo ou não, o prêmio de melhor jogador daquela Copa do Mundo não foi dado para Kahn por acaso. O goleiro do Bayern de Munique salvou sua seleção incontáveis vezes no mata-mata e até na fase de grupos. Sair cara a cara contra ele não era certeza nenhuma de gol para o atacante.

O ataque tinha poder suficiente para trazer um pequeno alívio a Kahn. Não foram necessários pênaltis ou prorrogação para avançar no mata-mata, mas os três jogos que antecederam a final terminaram com um magro 1 a 0, dando a impressão que o poder de fogo tinha se perdido nos 8 a 0 da abertura contra a Arábia Saudita. O peso e a tradição dos adversários, aliás, também não abrilhantaram muito as classificações alemãs. Além dos sauditas, Camarões, Paraguai, Estados Unidos e Coreia do Sul foram derrotados, e a Irlanda arrancou um empate.

O que mais levava medo para a defesa desses países eram Miroslav Klose, o jogo aéreo e quando os dois se juntavam. O então atacante do Kaiserslautern marcou cinco gols na Copa do Mundo de 2002, todos de cabeça e na fase de grupos. Das 14 vezes que aquela seleção balançou as redes, oito aconteceram pelo alto. Rudi Völler sabia dessa força e abusou dela no seu 3-5-2, formação que dava liberdade para os alas avançarem. Jogar pelos lados do campo para arriscar um cruzamento - ou cavar uma falta - era regra. Cobrar lateral direto na área também não era raro.

Colocar a bola no chão é uma das marcas da seleção de Joachim Löw, mas não era assim em 2002 com Rudi Völler, mesmo quando ela ainda estava distante do gol. Nos tiros de meta, nada de passe curto pra um dos três zagueiros. A ideia era chegar longo no ataque com um chutão buscando Klose e a partir daí tentar organizar um lance de ataque - olha o jogo aéreo aparecendo de novo. Oliver Neuville ganhou uma vaga na dupla de ataque titular durante a campanha e era a opção para jogadas em velocidade.

Até a final contra o Brasil, a Alemanha só havia sofrido um gol na Copa do Mundo, marcado pela Irlanda. Mas Kahn estava trabalhando, o que indicava sinais ruins na defesa. Ele viu vários contra-ataques avançando em sua direção e nesses momentos foi muito exigido. Duas das melhores defesas dele no torneio aconteceram a partir de jogadas em velocidade dos adversários nas quartas e na semifinal, quando o placar ainda era 0 a 0. Se perder a bola lá na frente representava perigo, Rudi Völler adotava a cautela quando tinha a vantagem - às vezes até quando não tinha - e recuava todas as suas peças pra proteger a área. O sufoco poderia até passar por um tempo, mas logo voltava.

As quartas de final contra os Estados Unidos resumiram bem todas essas características. A Alemanha sofreu com contra-ataques salvos por Kahn e teve seu melhor momento quando empilhou cruzamentos pelo alto. O gol apareceu em uma cobrança de falta levantada na área e então o time recuou até o apito final. Michael Ballack foi o autor do 1 a 0 de cabeça e não parou ali o seu heroísmo, já que o único gol da semifinal contra a Coréia do Sul saiu do pé esquerdo dele. Isso tudo depois de dar a assistência para quatro gols de Klose na fase de grupos. Uma pena ele não jogar a decisão contra o Brasil depois de ser punido com cartão amarelo contra os donos da casa justamente por parar com falta um...contra-ataque.

No início do século, o movimento mais decisivo para o futuro do futebol alemão nem estava acontecendo na Ásia, e sim na própria Alemanha. Os vexames dos dois anos anteriores fizeram o país se mexer e voltar seus olhos para a base. Entre 2001 e 2002, a DFB multiplicou seus investimentos na formação de treinadores e de jovens jogadores e os clubes das duas primeiras divisões da Bundesliga foram obrigados a fazer o mesmo. Novos ares em relação à tática e estratégia do jogo estavam soprando e mesmo sem colher os frutos dessa mudança a seleção de Rudi Völler superou as expectativas. Ela acolheu o rótulo de não-favorita e a torcida a abraçou

Um amigo alemão que já não era mais uma criança quando aconteceu final em Yokohama me disse uma vez que os dois gols de Ronaldo naquela partida o fizeram chorar. Ele e o restante do país não estavam lamentando por uma equipe genial e que chegou na Copa entre os candidatos ao troféu, mas sim por um grupo de jogadores que em questão de dias fez a Alemanha deixar de lado as campanhas ruins de anos recentes para sonhar empolgada com um título inesperado. Nem só de grandes times se faz a vida de um torcedor.

Uma amostra do que fez Kahn na Copa de 2002, incluindo os três gols que ele sofreu

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