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O relógio que parou e o tempo consertou: A volta do Hamburgo à Bundesliga

Da maldição do relógio parado à redenção do tempo acrescido: a saga de sete anos que testou a alma e o coração de Hamburgo

HAMBURGO, ALEMANHA - 12 DE MAIO: O relógio que o Hamburger SV exibe no interior do estádio, mostrando há quanto tempo está na Bundesliga, é visto após o jogo da Bundesliga entre o Hamburger SV e o Borussia Moenchengladbach no Volksparkstadion, a 12 de maio de 2018, em Hamburgo, Alemanha. (Foto de Lars Baron/Bongarts/Getty Images).

12 de maio de 2018, às 17h37, horário local, Felix Brych apitou o fim de partida entre Hamburger SV e VfL Borussia Mönchengladbach. Aquele foi o momento em que a dor em Hamburgo atingiu seu ápice, marcando a última lembrança de um torcedor na elite do futebol alemão. O que ninguém sabia, porém, era que aquele seria apenas o início de um longo abismo. 

O fim de maio de 2018 marcou o início de uma reestruturação. Ralf Becker assumiu como diretor esportivo do clube, chegando à cidade Hanseática com a missão de reorganizar o plantel do time e torná-lo competitivo para a segunda divisão. Becker trazia excelentes credenciais, veio do Holstein Kiel que disputou os play-offs de rebaixamento contra o VfL Wolfsburg e quase alcançou o acesso em sua primeira temporada na Zweite Liga. O elenco foi remodelado, com 15 saídas e nove contratações, destacando-se os empréstimos de Orel Mangala (Stuttgart) e Hwang-Hee Chan (RB Salzburg). Com orçamento reduzido, o clube investiu apenas em Khaled Narey, do Greuther Fürth e manteve a base dos anos anteriores com: Lewis Holtby, Gotoku Sakai e Aaron Hunt. O técnico Christian Titz, permaneceu após a campanha final fracassada na Bundesliga, mas durou pouco, apenas 10 partidas sendo demitido com derrotas pesadas: 3 a 0 para o KSV Holstein Kiel (ex-clube de Becker) e 5 a 0 para o SSV Jahn Regensburg - até hoje é a maior derrota na história do HSV em casa. 

Depois do inicio turbulento, o Hamburgo promove Hannes Wolf ao cargo de treinador principal e ressurge como um lobo na metade final do primeiro turno, com seis vitórias em sete partidas, conquistando o título do turno, com 37 pontos. No entanto, o returno foi fraco: apenas 19 pontos somados e um total de 56 ao fim da temporada encerrando o campeonato em quarto lugar. Para piorar, o técnico Hannes Wolf e o diretor esportivo Ralf Becker foram demitidos, e o Werder Bremen ultrapassou o HSV em número de partidas na Bundesliga na história. 

Em 2019/2020, a prioridade era a experiência. Dieter Hecking, ex-Borussia Mönchengladbach, foi contratado para comandar o retorno à elite. O elenco recebeu os reforços: Martin Harnik (SV Werder Bremen), David Kinsombi (KSV Holstein), Adrian Fein (FC Bayern München), Sonny Kittel (1. FC Ingolstadt), Tim Leibold (1. FC Nürnberg) e Lukas Hinterseer (VfL Bochum), enquanto Jonas Boldt (ex-Bayer Leverkusen) e Michael Mutzel (ex-TSG Hoffenheim) assumiram as posições de diretor esportivo e olheiro-chefe, respectivamente. A campanha repetiu o padrão do ano anterior: primeiro turno forte (30 pontos, 2° lugar) e segundo turno fraco. A pandemia de COVID-19, trouxe ainda mais instabilidade, e o CEO Bernd Hoffmann deixou o conselho de administração após conflitos com Boldt e Frank Wettstein, conselheiro fiscal. Na volta da pausa da pandemia, uma palavra começou a ecoar com cada vez mais força: "quase". 

Na 33ª rodada, HSV foi a Heidenheim, e estava vencendo a equipe do 1. FC Heidenheim até os 10' minutos finais de partida, mas sofreu a virada em 15 minutos, caindo para o quarto lugar e perdendo a chance de acesso. O roteiro se repetiu em 2021: era 17 de abril, estádio Bremer Brücke, contra o VfL Osnabrück condenado à 3. Liga, os comandados de Horst Hrubesch desperdiçaram o resultado de 2 a 1 e sofreram uma virada por 3 a 2. Em 2022, um dos golpes mais dolorosos: o Hamburgo após vencer o Hertha Berlin na capital, imaginou que a barreira entre a cidade as margens do Rio Elba e Berlin houvesse sido rompida. Contudo, as tropas do antigo militar da reserva Felix Magath, ídolo do HSV, derrotaram os Dinos, em casa, graças a um golpe de cabeça de Dedryck Boyata e um tiro de canhão de Marvin Plattenhardt

Mutzel que veio como uma esperança foi defenestrado do clube como um bode expiatório e se juntou a uma lista de profissionais (Daniel Thioune, Dieter Hecking, Ralf Becker, Hannes Wolf e Christian Titz) que passaram pelo HSV como curativos temporários e incapazes de resolver o problema da equipe. Naquele momento, o Hamburgo tornou-se um "Sísifo de chuteiras", condenado a empurrar a pedra até o meio da montanha para vê-la rolar de volta. 


SANDHAUSEN, ALEMANHA - 28 DE MAIO: Os adeptos do Hambuger SV parecem desanimados depois de a equipe ter terminado em 3º lugar no campeonato e ter de disputar mais um jogo de play-off, após o jogo da Segunda Bundesliga entre o SV Sandhausen e o Hamburger SV no BWT-Stadion am Hardtwald, em 28 de maio de 2023, em Sandhausen, Alemanha. (Foto de Matthias Hangst/Getty Images)


Em 2022, sem Mutzel, mas com Boldt, o astuto técnico Tim Walter (contratado na temporada 2021/22) e com um elenco competitivo composto por: Ludovit Reis (FC Barcelona), Jonas Meffert (KSV Holstein), Mario Vuskovic (HNK Hadjuk Split - CRO), Sebastian Schonlau (SC Paderborn) e Robert Glatzel (Cardiff City FC - GAL), o HSV atingiu o fundo do poço. A continuidade era a palavra da vez no clube. A base do time citado acima, ganhou o incremento de Jean-Luc Dompé, vindo do SV Zulte Waregem, da Bélgica, na janela de transferências de janeiro de 2023. A equipe manteve seu estilo de jogo com posse de bola, de pressão intensa sem ela e ataques ferozes usando os corredor lateral, o que levou o time a marcar 70 gols, mas, como sempre, o final foi trágico e este, em especial, com requintes de crueldade. 28 de maio de 2023, 34ª rodada, o Hamburgo venceu o já rebaixado SV Sandhausen (3 a 0), a torcida não se conteve, invadiu o gramado e com direito a lágrimas escorrendo dos olhos, o locutor do estádio trouxe a notícia cruel: 1. FC Heidenheim 3, SSV Jahn Regensburg 2, o resultado empurrou os Dinos para a quarta posição. A alegria que tomou a ensolarada cidade de Sandhausen foi engolida pela tristeza e decretou a morte da temporada antes do enterro. Pois, nos play-offs, o HSV foi humilhado pelo VfB Stuttgart (6 a 1 no agregado). 

A temporada 2023/24 começou com esperança (no fim do primeiro turno, o Hamburgo foi o segundo colocado com apenas quatro derrotas em 17 partidas), mas a demissão de Tim Walter após maus resultados entre a 19ª e a 21ª rodada levou a contratação de Steffen Baumgart (ex-1. FC Köln). A aposta não deu certo: o clube perdeu suas chances de acesso após uma derrota para o SC Paderborn.

A virada do clube foi sendo construída a passos lentos. No fim da temporada 2023/2024, Boldt deixou o HSV após quatro anos. Stefan Kuntz (ex-técnico da seleção turca) retornou ao futebol, mas em uma nova função, a direção esportiva. E apesar das críticas recebidas, Steffen Baumgart manteve-se no comando do Hamburgo até o fim de 2024, deixando um legado ambíguo. Seu início foi promissor - a equipe somou 20 pontos em 13 partidas da 2. Bundesliga 2024/25 -, e soube extrair o potencial do jovem talento Ransford Königsdörffer. Contudo, após cinco jogos sem vencer entre o fim de outubro e o mês de novembro, seu ciclo se encerrou, abrindo caminho para uma aposta ousada da diretoria. 


HAMBURGO, ALEMANHA - 11 DE ABRIL: O treinador Merlin Merlin Polzin, do Hamburgo, reage durante o jigo da Segunda Bundesliga entre o Hamburger SV e o Eintracht Braunschweig, no Volksparkstadion, a 11 de abril de 2025, em Hamburgo, Alemanha. (Foto de Selim Sudheimer/Getty Images)

A chegada de Merlin Polzin, de 34 anos, representou um verdadeiro "all-in (tudo ou nada)" institucional. O jovem técnico não apenas resgatou o DNA ofensivo do HSV - mais próximo do estilo de posse adotado por Tim Walter do que o futebol direto de Baumgart -, como também realizou um trabalho notável de recuperação psicológica e técnica de peças-chaves. Ludovit Reis e Jean-Luc Dompé, este último deixado de lado por Baumgart, redescobriram seu melhor futebol, enquanto novas contratações como Davie Selke, Daniel Elfadli e Emir Sahiti integraram-se perfeitamente ao projeto. 

O impacto de Polzin é notável nos momentos decisivos. Vitórias consistentes contra rivais diretos pelo acesso, 1. FC Magdeburg, 1. FC Nürnberg, Fortuna Düsseldorf e 1. FC Kaiserslautern demonstraram a solidez construída, com apenas tropeços pontuais (Karlsruher SC, SC Paderborn e SV Elversberg) nos jogos decisivos. Seu mérito foi ainda maior a devolver a confiança a jogadores como William Mikelbrencis, Sebastian Schonlau, Lukasz Poreba, Silvan Hefti, Adam Karabec e Dennis Hadzikadunic, formando um coletivo coeso onde antes havia apenas indivíduos.


 SC Preußen Münster v Hamburger SV - Segunda Bundesliga
MUENSTER, ALEMANHA - 07 DE FEVEREIRO: Davie Selke do Hamburger SV ##cel durante o jogo da Segunda Bundesliga entre SC Preußen Münster e Hamburger SV no Preussenstadion a 07 de fevereiro de 2025 em Muenster, Alemanha. (Foto de Christof Koepsel/Getty Images)


Destaque especial merece Davie Selke. Assim como o próprio Hamburgo, o atacante de 23 gols em 32 partidas ressurge após anos de ostracismo, completando uma narrativa de redenção que vai além do mero acesso. Polzin, por sua vez, consagrou-se não por feitos isolados, mas por construir aquilo que o clube almejava desde 2018: uma equipe onde relógios parados cedem lugar a mecanismos bem ajustados. 

Coordenadas do Volksparkstadion. Foto: Hamburger SV/Reprodução.

Em 2025, o relógio do Volksparkstadion já não existe mais - não porque não tenha sido consertado, mas porque o tempo, esse velho adversário, finalmente se rendeu à persistência. Agora, as coordenadas de localização do estádio (substituta do relógio) marcam não apenas uma posição geográfica, mas o ponto de partida para uma nova era na Bundesliga.

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